quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um convite à introspecção





Algumas das marcas da gravadora alemã ECM são os sons experimentais e etéreos, baseados em referências jazzísticas, eruditas e, por vezes, étnicas. O seu criador, Manfred Eicher, disse um dia que a gravadora só registraria os "sons mais belos que o silêncio". Esta frase tornou-se célebre e o selo transformou-se, nos anos 70, abrigo (no melhor sentido) de músicos de diversas nacionalidades, que se posicionavam à frente de seu tempo, como Egberto Gismonti, Pat Metheny, Keith Jarrett, Ralph Towner, Naná Vasconcelos, Jan Garbarek, Charlie Haden, Palle Danielsen, entre tantos outros artífices, principalmente, da música instrumental.



 


O som desenvolvido pela ECM não teve precedentes. Hoje, o catálogo do selo é imenso, talvez seja o maior e mais importante acervo da melhor e mais enigmática música de vanguarda produzida na segunda metade do século XX e começo do XXI.






Nos últimos anos, a ECM tem renovado o seu elenco e muitos novos nomes interessantes foram lançados pela gravadora, incluindo os pianistas Wolfert Brederode (Holanda) e Colin Vallon (Suíça). O som dos dois possui similaridades, como a sofisticação, a sutileza e a precisão dos arranjos, além dos timbres delicados. Ambos são compositores e criam belas melodias. E mais: a música que fazem é totalmente acústica com estrutura progressiva. Há influência do jazz tradicional, mas não se trata deste universo. São músicos com identidade do continente europeu.







E tem outro importante detalhe: Colin, 31, e Wolfert, 37, contam com o mesmo baterista em seus grupos, o extraordinário Samuel Roher (foto 5), de nacionalidade suíça. Ele tempera o som do Wolfert Brederode Quartet (fotos 1 e 2) e do Colin Vallon Trio (fotos 3 e 4) com toques e contratempos inacreditáveis, aprofundando a experiência sonora. Há somente outro baterista tão inventivo quanto ele na atualidade, pelo menos, que eu conheça, o norte-americano Mark Guiliana, que acompanhou o baixista israelense Avishai Cohen em seus melhores trabalhos e, recentemente, colaborou com o "mago" tunisiano Dhafer Youssef.




Pela ECM, o Wolfert Brederode Quartet lançou os discos “Currents” (2006) e “Post Scriptum” (2011). Além de Wolfert e Roher, integram o grupo Claudio Puntin (clarinete) e Mats Eilertsen (baixo).  Já o Colin Vallon Trio estreou no selo alemão, em 2011, com o CD “Rruga”. Ao lado de Colin e Roher está o baixista Patrice Moret. Estes três discos são os melhores trabalhos que ouvi ultimamente. Aqueles que levaria para uma ilha deserta, na atualidade, sem pestanejar. Disponibilizei um vídeo de cada artista para o nosso deleite, espero.  











quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O elo musical de árabes e judeus



O instrumentista israelense Yair Dalal é um dos mais importantes e representativos alaudistas do Oriente Médio na atualidade. Descendente de uma família de judeus orientais originária de Bagdá, no Iraque, que fugiu para Israel após 1948, Yair Dalal se destaca tanto pela qualidade do trabalho musical quanto pela intensa militância em favor da paz entre árabes e judeus. Inclusive, o grupo que o acompanha é geralmente formado por músicos das duas etnias. É importante lembrar que antes da criação de Israel, o Iraque possuía uma das maiores e mais tradicionais comunidades judaicas do Oriente Médio. Há tempos não existem mais judeus no Iraque e os árabes cristãos, hoje, estão indo embora.




Ora rústico ora sofisticado, o som de Yair Dalal faz um profundo mergulho nas raízes musicais árabes e judaicas da região. A música dele, mesmo quando hipnótica, é estimulante. Além do alaúde, o artista canta e toca violino. O israelense também se dedica à preservação da herança musical iraquiana e dos beduínos do deserto do Negev (Israel). Gravou inclusive um disco com músicos beduínos, “Azazme” (2002), no qual é acompanhado pelo Tarab Ensemble. Já o disco “Shacharut – Live in The Desert” (2000) foi registrado ao vivo em pleno Negev com a finalidade de captar e oferecer a vasta e enigmática atmosfera presente nestas planícies. Em alguns trabalhos de Yair Dalal, existem também resquícios musicais de outras regiões do Oriente, a exemplo de “Silan” (1998), que traz elementos indianos.




Nos últimos anos, ele tem colaborado com o grupo de música antiga (medieval, renascentista e barroca) Hespèrion XXI, dirigido pelo catalão Jordi Savall, que em discos recentes fez incursões pela musicalidade do Oriente Médio, como nos CDs “Istambul” (2009), “Orient-Occident” (2006) e “Jerusalém” (2009). Além de Jordi Savall, Yair Dalal já colaborou com gente como Zubin Mehta, L. Shankar, Hamza El Din, Omar Faruk Tekbilek, Ensemble Kaboul, Adel Salameh, The Oslo Philharmonic Orchestra, Kamerata Jerusalem Orchestra, entre outros.




Em dezembro de 2002, Yair Dalal esteve no Brasil, quando participou da programação do IV Mercado Cultural, realizado em Salvador, na Bahia. Um amigo meu assistiu e foi por meio dele que fui apresentado à obra deste músico israelense. No vídeo selecionado, além de uma performance solo, ele conta um curioso caso envolvendo o alaúde.