sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Hamilton de Holanda: melodias iluminadas


 


  

Pelo que tem de coesão, síntese, sofisticação e criatividade o disco "Trio", do bandolinista Hamilton de Holanda, lançado neste ano, resgatou do ostracismo o Trilha-Transe, depois de quase um ano de ausência. Neste retorno, pretendo deixar o espaço mais abrangente, com foco mais amplo, menos segmentado.

Ao lado do violonista Yamandú Costa, Hamilton de Holanda é um dos músicos brasileiros mais importantes da atualidade na área instrumental, especialmente da geração que surgiu sob influência direta do choro. Aliás, não conheço bandolinista brasileiro que não tenha nascido no berço do choro, porque este instrumento de timbre lírico, no Brasil, é quase sinônimo do refinado gênero. No entanto, há tempos, o artista tem procurado inserir o bandolim em diferentes contextos musicais, basta conhecer a trilogia "Brasilianos", na qual faz experimentos diversos com outros gêneros, dialogando com o jazz contemporâneo, acompanhado por um quinteto de primeira, que inclui o gaitista Gabriel Grossi.

Na atualidade, Hamilton é também um dos músicos brasileiros mais respeitados no exterior, assim como Egberto Gismonti foi nos anos 70 e 80.



Em "Trio", como o próprio nome diz, o bandolinista, que já foi comparado a Jimi Hendrix, optou por uma sonoridade coesa, com harmonias e melodias acessíveis, sem experimentos ou excessos. Ele é acompanhado por André Vasconcellos (contrabaixo acústico) e Thiago da Serrinha (percussão). O disco seduz na primeira audição. De tão agradáveis, os temas parecem familiares, sem falar na capa que é caprichada e prepara o ouvinte para este mergulho musical no que há de melhor na música brasileira.
 
Produzido por Marcos Portinari e por Hamilton de Holanda, "Trio", se comparado aos outros discos do artista, remete ligeiramente  à proposta apresentada em "Música das Nuvens e do Chão", de 2004. O som é quase sempre vibrante e objetivo. Porém, ao contrário daquele, a maioria das composições deste são autorais. Das 12, somente três não são assinadas pelo bandolinista, incluindo a versão de "O que será", de Chico Buarque. A formação instrumental também é diferente, sendo "Trio" mais compacto e, por isso, possui sonoridade mais rústica, no melhor sentido, ou seja, menos é mais. 

Como não encontrei vídeos do artista acompanhado dos músicos que tocam em "Trio", optei por uma performance solo dele interpretando "Canto de Ossanha", de Baden e Vinícius.


 
 




 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A voz idílica do Mediterrâneo




Dedicada a cantar principalmente as paisagens do Mediterrâneo, a grega Savina Yannatou é uma das vozes mais singulares da atualidade. Ela canta em grego, italiano, ladino (dialeto dos judeus sefaraditas da Espanha medieval), árabe, hebraico, francês, entre outras línguas, mapeando a tradição musical de diversas etnias que habitam a costa deste mar conhecido por sua beleza de azul profundo.

A artista também interpreta canções de outras áreas da Europa, incluindo os Bálcãs, e também do Oriente Médio. Acompanhada pelo grupo Primavera en Salonico, a musicalidade de Savina tem natureza acústica com tratamento rústico e, ao mesmo tempo, sofisticado. A sua voz emana um lirismo que só existe em pequenas vilas situadas em praias, campos ou remotas montanhas. 




O grupo Primavera em Salonico utiliza instrumentos típicos do Mediterrâneo e do Oriente Médio como alaúde, acordeon, qanoun, nay (flauta de bambu) e derbak. Há um leve toque jazzístico, o que resulta numa sonoridade universal. Os mais recentes discos da cantora foram lançados pelo selo ECM, o que é garantia de qualidade.


Um detalhe: Salônica ou Tessalônica é a principal cidade da região grega da Macedônia (não confundir com o país), que se destacou, durante parte do Império Otomano, por ter sido habitada por uma população judaica de origem sefaradita. A língua mais usada na cidade era o ladino e o dia de descanso oficial era o sábado. Parece irrelevante contar esta história, mas explica muito o culto de Savina Yannatou pelo repertório sefaradita da Grécia e dos Bálcãs, presente em seus discos. 
Antes de enveredar pela música tradicional de várias regiões mundo, especialmente do Mediterrâneo e entorno, Savina, de voz soprano, era especializada na interpretação de música antiga (medieval, renascentista e barroca). É possível encontrar resquícios desta fase em alguns de seus discos. 
 

Dos trabalhos da artista, recomendo todos lançados pela ECM, entre os quais “Terra Nostra” (ao vivo – 2003) “Sumiglia” (2005) e “Songs of an Other” (2008). Há ainda “Mediterranea” (2000), gravado antes dela pertencer à ECM, um disco que anunciou o caminho a ser percorrido pela artista. Para finalizar, assista aos vídeos e comprove a riqueza desta voz.






 


quinta-feira, 26 de julho de 2012

L'Ham de Foc: múltiplas sonoridades étnicas



Eu estava devendo uma postagem sobre o L’Ham de Foc, apesar de o grupo espanhol ter encerrado as atividades em 2007, depois de lançar três discos brilhantes: “U” (2000), “Cançó de Dona I Home” (2002) e “Cor de Porc” (2006), que impressionam pela riqueza de timbres e pelas múltiplas referências étnicas.

Formado em 1998, na cidade de Valência, o L’Ham de Foc foi liderado pela vocalista Mara Aranda e pelo instrumentista Efrén López, que realizaram um minucioso trabalho de pesquisa musical, proporcionando combinações poucas vezes experimentadas. No som do grupo, coube referências medievais, mediterrâneas, celtas e do Oriente Médio.



Entre os grupos de música étnica do período, que tive a oportunidade de conhecer, o L’Ham de Foc foi o que produziu a obra mais rica. Deixou saudades e um legado musical inquestionável. Um som vigoroso, exótico, moderno e tradicional ao mesmo tempo. A voz singular de Mara Aranda era outro atrativo.

Para se ter uma ideia da riqueza de referências do grupo, basta conhecer os tipos de instrumentos usados, oriundos de diferentes regiões do mundo: derbak, duduk, tabla, saz, santoor, harpa, gaita de fole, entre tantos outros. Sonoridades turcas, persas, armênias, indianas, árabes e ibéricas.

O L’Ham de Foc também fomentou projetos musicais paralelos a exemplo dos grupos Al Andaluz Project (que já rendeu uma postagem no blogue), Sabir e Aman Aman. Este último mergulhou na tradição musical dos antigos judeus sefaraditas da Península Ibérica.




E para nossa sorte, Mara Aranda e Efrén López, mesmo separados, continuam a desenvolver projetos musicais semelhantes ao L’Ham de Foc. Para se ter uma noção do poder do grupo, deixo o vídeo de Encara, um passeio pelos timbres e percussões orientais.











domingo, 10 de junho de 2012

Phronesis: a energia do jazz contemporâneo




Phronesis é uma palavra grega que significa sabedoria ou inteligência. Phronesis é também um trio formado por músicos escandinavos e britânicos, radicado em Londres, que ganha, aos poucos, destaque na cena jazzística contemporânea. O editor da revista Jazzwise Magazine, Jon Newey, descreveu o grupo como o mais excitante e criativo trio de piano da atualidade.
                                                                     
O mar do Phronesis é repleto de tormentas e não oferece trégua durante a travessia. É jazz europeu cerebral e contemporâneo. Às vezes, extrapola na contundência, em desconstruções musicais demasiadamente cruas e tensas. Enfim, o trio é uma máquina de energia acústica. Para quem entende a audição musical como uma forma de experiência sensorial e até de transcendência, o som do grupo é obrigatório.




Criada em 2005, a banda é liderada pelo baixista dinamarquês Jasper Hoiby. Completam o time Ivo Neame (piano) e Anton Egar (bateria). O grupo lançou dois discos: “Alive” (2010) e “Walking Dark” (2012). O baterista Mark Guiliana tocou no primeiro disco, que, como o nome sugere, foi gravado ao vivo. Só para lembrar: Mark participou de dois dos melhores discos do baixista israelense Avishai Cohen: “Continuo” (2006) e “Gently Disturbed” (2008). Aliás, para quem gosta do som do baixista israelense (especialmente dos discos feitos em trio), Phronesis é um prato cheio.






O segundo CD do Phronesis é mais melódico e elaborado que o primeiro. E tem mais: o baterista sueco Anton Egar não fica a dever a Mark Guiliana, no uso de contratempos inusitados. Para se ter uma ideia do que o trio é capaz, deixo o vídeo da música “Abraham’s New Gift”, com o feroz Mark na bateria.








segunda-feira, 30 de abril de 2012

Todas as cores do Duofel






Ainda me lembro de quando topei pela primeira vez com um disco da dupla de violonistas Duofel, formada pelo paulista Luiz Bueno e pelo alagoano Fernando Melo.  O ano era 1995. Adquiri o CD “Espelho das Águas”, lançado pelo extinto selo Velas (criado por Ivan Lins) e gravado em parceria com o percussionista indiano Badal Roy, que proporcionou um leve sabor oriental ao disco, uma cortesia do som de sua tabla. Aliás, o experiente músico já tinha tocado com nada mais nada menos que John McLaughlin, Ornette Coleman, Miles Davis, entre outros feras do jazz. Naquele dia, levei também na sacola o disco “Storytelling” de Naná Vasconcelos. Os dois discos formaram a trilha sonora da minha primeira viagem à Chapada Diamantina realizada no mesmo ano.

O som do Duofel me chamou a atenção pela criatividade e vitalidade. Uma música vibrante, colorida e melódica, com sotaque universal, mas com muitas referências brasileiras. Ecos de folk, blues, baião, jazz, rock, samba e música caipira estão presentes nas composições. A musicalidade do duo nos transporta a qualquer paisagem do mundo, sem deixar de nos trazer de volta ao Brasil.





 Além de tudo, os timbres originais, as melodias envolventes e a elaborada performance dos músicos encantam. É difícil encontrar um trabalho paralelo no vasto leque da música instrumental brasileira. Talvez o som de André Geraissati tenha algumas semelhanças com a música criada pelo Duofel, em razão dos timbres e dos efeitos nas cordas dos violões, sendo André mais introspectivo.

A história do Duofel começa no final dos anos 70, quando os músicos se conheceram em São Paulo, tocando na banda de rock progressivo Boissucanga . O grupo acabou, mas a amizade de Luiz e Fernando permaneceu, determinando a formação da dupla. Em 85, o Duofel ganhou destaque ao acompanhar a cantora Tetê Espíndola, na canção “Escrito nas Estrelas”, vencedora do Festival dos Festivais. O primeiro disco deles, “Cores do Brasil”, foi lançado em 1990. O mais recente, “Duofel plays The Beatles”, é do ano passado, e foi apontado no site da dupla como uma viagem de volta às origens, pois ambos eram apaixonados pela obra da banda de rock de Liverpool, considerada a mais importante de todos os tempos. E, acredite, as recriações da dupla para o manjado repertório dos Beatles são criativas e inusitadas.





Todos os discos do Duofel são interessantes, mas indico, especialmente, o já citado “Espelho das Águas” (1994), “Atenciosamente Duofel” (1999), “Duofel 20” (Ao vivo - 2000), “Precioso” (2005) e “Duofel plays The Beatles” (2011). Em 2007, tive a felicidade de assistir a um concerto deles em São Luís, que guardo na memória. E no palco, garanto, eles são imbatíveis.











segunda-feira, 26 de março de 2012

Dead Can Dance: música sem fronteiras


Uma boa notícia: o grupo Dead Can Dance voltou à ativa em 2012. Os enigmáticos Lisa Gerrard e Brendan Perry anunciaram o retorno com a gravação de um disco novo e uma turnê por países da América do Norte e da Europa. O site da banda anuncia a volta, depois de muitos anos de ausência. O último disco do grupo foi “Spiritchaser”, lançado em 1996.


Formado no começo dos anos 80, na Austrália, o grupo logo se radicou em Londres, ajudando - ao lado de bandas como Cocteau Twins e This Mortal Coil - a fundamentar o conceito da gravadora britânica 4AD, muito respeitada à época, sempre a difundir sons etéreos de vanguarda.  O trabalho vocal de Lisa Gerrad, inclusive, possuía uma semelhança com o de Elizabeth Fraser do Cocteau Twins. Ambas utilizavam, em muitas músicas, uma língua idiossincrática.




No começo, a música do Dead Can Dance era densa e gótica, um pós-punk eletrônico, sombrio e cheio de tédio, semelhante à sonoridade das bandas britânicas do período. No entanto, no final dos anos 80 e começo dos 90 o som do grupo foi ampliado, incorporando elementos medievais e celtas em bases eletroacústicas.




Aliado ao mergulho nas profundidades da Idade Média, o Dead Can Dance incursionou por sonoridades do Oriente Médio, desbravando paisagens sonoras persas e turcas com o uso instrumentos típicos daquelas regiões, como o santoor e a darbouka. Foi o período em que o grupo lançou alguns discos maravilhosos, que se tornaram obrigatórios: "Aion" (1990), "Into The Labyrinth" (1993) e o ao vivo “Toward The Within” (1994). Este último é também um filme com registro de um show do grupo. É possível comprar o DVD em sites nacionais. Aliás, uma das versões é liberada para todas as regiões.



Nos anos 90, o som do Dead Can Dance representou uma ponte entre o Ocidente e o Oriente. A riqueza de timbres nos surpreendia. Infelizmente, antes do final da década, Lisa e Brendan se separaram. Ambos chegaram a lançar discos solos. Lisa, inclusive, compôs algumas trilhas sonoras, uma delas a do filme "Gladiador". No entanto, nenhum disco teve o mesmo alcance dos trabalhos do grupo. Agora, vamos aguardar o resultado deste inesperado retorno.







terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Entre montanhas e planícies, os sons contemplativos de Kayhan Kalhor


Apesar de todos os problemas políticos, no campo das artes o Irã tem nos fornecido ótimos filmes, destacando grandes cineastas desde os anos 90. Nomes não faltam: Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf, Samira Makhmalbaf, Jafar Panahi, Bahman Ghobadi e, agora, Ashgar Farhadi, vencedor do Oscar. No setor da música, não é tão diferente. Existem grandes músicos e compositores que tratam de manter a alma da música clássica e tradicional persa, difundindo-a pelo mundo com elementos acústicos contemporâneos. Alguns deles são Hossein Alizadeh (autor da trilha de "Tartarugas podem Voar", entre outros filmes), Hamid Motebassem, Bijan Chemirani e Kayhan Kalhor. Este último talvez seja o mais conceituado, pois já gravou por duas vezes pela ECM, gravadora alemã sobre a qual já falei a respeito em outros textos.

A música de Kayhan Kaylhor é profundamente introspectiva em sintonia com as tradições milenares e espirituais da região. Radicado atualmente nos Estados Unidos, ele toca um instrumento de arco e, lógico, cordas, chamado kamancheh, cuja forma lembra um pequeno berimbau, se isto é possível.


Nascido em Teerã, ele estuda música desde os sete anos de idade. Aos 13, já acompanhava grupos eruditos e tradicionais de música persa, como a National Orchestra of Radio and Television of Iran e o Shayda Ensemble of the Chavosh Cultural Center. Ao longo da carreira, gravou 15 discos. Três conquistaram indicações ao Grammy: “Faryad” (2005 ), “Without You” (2002) e “The Rain” (2003).

Afeito a parcerias, Kayhan costuma bater bola com músicos locais e estrangeiros. No Ocidente, integrou o time do projeto “Silk Road Ensemble: New Impossibilities” (2007), do festejado francês, de origem chinesa, Yo- Yo-Ma. Também participou da trilha sonora do filme de Francis Ford Copolla, “Youth Without Youth”, de 2007, composta pelo argentino de origem judia Osvaldo Golijov.
                          


Em 2012, Kayhan Kalhor lançou mais um interessante disco intitulado “I Will Not Stand Alone”, feito em parceria com Ali Bahrami Fard (foto 4), craque que toca o santoor, instrumento persa, parente do dulcimer ocidental, que produz um dos mais belos timbres do Oriente Médio.


Outra parceria de sucesso foi realizada com os indianos Shujaat Husain Khan (cítara e vocais) e Swapan Chaudhuri (tabla), com os quais criou o grupo Ghazal (foto 5), que lançou três trabalhos, sendo dois fundamentais “Moon Rise Over the Silk Road” (2000) e “The Rain”, lançado pela ECM em 2003, um dos mais belos discos orientais que já ouvi. O grupo, lógico, fundiu elementos musicais persas e indianos, criando uma música hipnótica e contemplativa. Kayhan Kalhor também obteve destaque com o CD “The Wind” (ECM - 2006), composto com o turco Erdal Erzingan,


 E antes que alguém troque as bolas, o Irã não é um país árabe. É persa. Os árabes são de origem semita. Os persas, indo-europeus. Durante a expansão do Império Árabe no século VII, os persas foram subjugados. Adotaram a religião islâmica e o alfabeto arábico, mas mantiveram a língua persa, também chamada de farsi, cuja variante no Afeganistão é conhecida como dari. Para os ouvidos ocidentais, a música persa pode soar como a árabe. No entanto, tem características próprias. Os instrumentos originais também se diferem. E para conhecermos um pouco dessas singularidades, um vídeo de Kayhan Kalhor ao lado de outros feras iranianos como Hossein Alizadeh e Majid Khalaj.