domingo, 20 de março de 2011

O som azul profundo do mediterrâneo



Música clássica e tradicional árabe, música francesa e jazz formam os elementos do sofisticadíssimo trabalho do alaudista tunisiano Anouar Brahem, um dos mais transgressores deste instrumento no mundo árabe. Recrutado desde os anos 90 pela gravadora alemã ECM - como já disse por aqui e é sempre importante repetir: o mais respeitado selo de música instrumental de vanguarda do mundo, sinônimo de absoluta qualidade e inovação - Anouar Brahem faz um som etéreo, que nos leva a longas viagens interiores, a belas miragens em desertos ou a paisagens azuladas do Mediterrâneo. Não tem como ficar indiferente à sonoridade pelo grau de leveza e profundidade. Como escreveu um dia o poeta estadunidense Walt Whitman: “o que pode haver de maior ou menor que um toque?”.


Hipnótica, a música de Anouar Brahem oscila entre temas tradicionais e calmos improvisos. O trabalho dele pode ser dividido em quatro fases. A primeira, mais próxima da música árabe clássica e tradicional, com o excelente disco de estréia, “Barzakh” (1991), e o seguinte “Conte de L’incroyable Amour” (1992). A segunda, mais experimental, dialogando com músicos europeus de jazz de vanguarda do quadro da ECM, a exemplo de John Surman e Dave Holland, com os quais gravou “Thimar” (1998), ou Palle Danielsson e John Christensen, que foram alguns dos parceiros de “Khomsa” (1999).

A melhor fase é a terceira, quando passa a dialogar com a música francesa tradicional, produzindo, pelo menos, três dos discos mais sublimes dos últimos quinze anos, “Astrakan Café” (2000), “Le Pas Du Chat Noir” (2002) e “Le Voyage de Sahar” (2005). Esses dois últimos gravados com os músicos franceses François Couturier (piano) e Jean Lois Martinier (acordeon). Vale muito procurar. A fase atual foi inaugurada com o CD “The Astouding Eyes of Rita” (2009), registrado com o clarinetista sueco Björn Meyer, o baixista alemão Klaus Gesing, e o percussionista libanês Khaled Yassine. Disponibilizamos um vídeo desse quarteto (uma foto também) para se ter uma ideia do trabalho magistral desse tunisiano. E não podemos esquecer que no mundo árabe os ventos da liberdade começaram a soprar primeiro na Tunísia.


Nascido em 1957, Anouar Brahem estudou primeiramente no Conservatório Nacional de Túnis, antes de partir para Europa, mais precisamente para Paris, onde aos poucos foi conquistando respeito no meio musical. O primeiro trabalho de destaque foi a participação na trilha sonora do filme “Hanna K” (1983), de Gosta Gavras, que reflete a causa palestina, sob o olhar de uma mulher judia. Depois do ingresso na ECM, os discos do músico receberam diversos prêmios e indicações.

Assim como a cor azul, que - de acordo com o Dicionário de Símbolos - é a mais profunda das cores e remete ao infinito, a musicalidade mediterrânea de Anouar Brahem nos transporta para bem longe.









domingo, 13 de março de 2011

Paisagem galega: a vasta música do Berrogüetto



Elementos do que costumamos chamar de música celta estão presentes na musicalidade tradicional do Norte da Espanha (especialmente nas regiões da Galícia, Astúrias e Cantábria) e de Portugal. Essa sonoridade pouco tem a ver, por exemplo, com o flamenco, gênero que é referência musical da Espanha. Na atualidade, um dos grupos expoentes do folk da Galícia é o Berrogüetto, merecidamente querido da crítica espanhola, tido como renovador da musicalidade desenvolvida por grupos pioneiros, como o célebre Milladoiro, surgido nos anos 70.


Formado em 1996 por excelentes músicos (oriundos de outros grupos galegos), o que se evidencia pela máxima qualidade harmônica dos arranjos, o Berrogüetto oferece um molde contemporâneo à rica cultura musical da região. Gaita-de-fole, pandeirão irlandês (bodhran), harpa, violino, acordeon são alguns instrumentos utilizados pela banda. A sonoridade acústica por vezes é idílica, etérea e contemplativa, noutras é vibrante e nos transporta a vastas e coloridas paisagens. Portanto, não se engane, não é som para boi dormir.


Dividindo o repertório em temas instrumentais e belas canções, o Berrogüetto lançou cinco discos e desde o segundo, “Viaxe por Urticaria” (1999), demonstra uma crescente maturidade musical. Além deste, vale escutar “Hepta” (2001), “10.0” (2006) e o mais recente “Kosmogonías” (2010), no qual Xabier Diaz, que já tinha colaborado com a banda, assumiu os vocais no lugar da vocalista original, Guadi Galego, que saiu no ano anterior.  E quem quiser conhecer um pouco mais a música atual produzida na Galícia há outros artistas representantes da região, a exemplo de Carlos Nuñez e o grupo Luar na Lubre. Eu prefiro o Berrogüetto. Como aperitivo, fica o vídeo da canção “Fusco” e outro de uma apresentação num festival folk em Cambridge, na Inglaterra. Ambos com a vocalista Guadi Galego.