terça-feira, 19 de julho de 2011

O multiétnico cristal do jazz contemporâneo





A vocalista é filha de iranianos, o baterista é indiano, o baixista, francês e o pianista, alemão Os quatro se encontraram na cidade de Munique, na Alemanha. Este é o Cyminology, um dos mais interessantes grupos de jazz da atualidade. Os discos dessa banda multiétnica, especialmente os dois lançados pela ECM, “As Ney” (2009) e "Saburi" (2010), assemelham-se aos cristais mais lapidados. São necessários extremo cuidado e máxima concentração ao ouvi-los para perceber todas as nuances e os detalhes sutis e inusitados das construções musicais perpetradas pelo grupo, expoente europeu do jazz progressivo ou qualquer outro rótulo que o ouvinte desejar. Eu prefiro chamar de jazz contemporâneo, para não cair em definições subjetivas, abstratas ou anacrônicas.

Cymin Samawatie, a vocalista, cujo nome batizou o quarteto, canta em farsi (persa), língua oficial do Irã e falada, com algumas variações, em longínquos países da Ásia Central, a exemplo do Afeganistão, onde o farsi é chamado de dari. E saiba: por pertencer ao tronco indoeuropeu o farsi teoricamente é mais próximo do português do que o árabe, por exemplo. Em seus discos ela procura interpretar versos de poetas persas clássicos, a exemplo do célebre Rumi (1207 - 1293), cujos discípulos e descendentes deram origem ao sufismo.






Mesmo "incompreendida", Cymin conquistou a Alemanha e vem avançando por toda a Europa. O Cyminology também já excursionou nos Estados Unidos e em países árabes como Egito, Jordânia, Líbano e Síria. Curiosamente nunca tocou no país de origem da vocalista, o Irã. Além de Cymin, formam o grupo Benedikt Jahnel (piano), Ralf Schwarz (baixo) e Ketan Bhatti (bateria e percussão). Todos estudaram em escolas de música erudita ou de jazz.

Se formos fazer um paralelo do trabalho do Cyminology com a música brasileira talvez encontraremos algumas semelhanças com a elaboração musical desenvolvida por Mônica Salmaso junto ao grupo Pau Brasil. Isso, pelo grau de delicadeza e refinamento dos arranjos. Igualmente é possível achar ecos do disco mais erudito de Tom Jobim, "Matita Perê" (1973), que eu adoro e contemplo. Conclusões pessoais à parte, os resíduos de música brasileira no som do Cyminology são admitidos pelo grupo, no texto de apresentação da banda, no seu site oficial.


Também podemos descobrir similaridades entre o timbre da voz da cantora Cymin com o da brasileira Flora Purim, que nos anos 70 alcançou notoriedade no mundo do jazz de vanguarda ao gravar aquele antológico disco de 1972 com o grupo Return to Forever, capitaneado por Chick Corea, que ao longo daquela década teve em sua formação gente como Stanley Clarke e Al Di Meola, entre outros craques. Por sinal, o referido trabalho também foi registrado pela ECM, gravadora alemã especializada em música de vanguarda de excelência, jazz ou erudita, sobre a qual já comentei muitas vezes no blogue e comentarei sempre.

E por falar em Return to Forever, está disponível nas lojas virtuais brasileiras um DVD com o registro de uma reunião "recente" do grupo no Festival de Montreaux. Alguém já conferiu?



Mas Return to Forever é um outro papo, porque o Cyminology é completamente acústico. Não traz experimentos eletrônicos nem elétricos. Enfim, procure os dois discos do Cyminology lançados pela ECM e siga a receita presente no primeiro parágrafo.






 

sábado, 2 de julho de 2011

Raiz celta de múltiplas sonoridades








Um dos grupos de maior destaque na cena folk de Portugal é o Mandrágora. O colectivo (como chamam grupo por lá), formado na cidade de Porto (a segunda maior do país), incursiona pela tradição celta presente no Norte de Portugal e da Espanha, com temas basicamente instrumentais.

Foi uma grata surpresa quando descobri, por volta de 2005, que em Portugal existia uma cena musical jovem, que une elementos diversos: celtas, medievais, mediterrâneos, orientais, eruditos, roqueiros e jazzísticos, o que resulta em um som contemporâneo e envolvente. Neste blogue, já falei de um outro grupo português desta geração, o Dazkarieh. Hoje, no auge da carreira, com shows marcados em toda a Europa. A proposta musical desta cena se difere, por exemplo, da música produzida pelo Madredeus, bastante difundida no Brasil, nos anos 90.



Depois de algumas mudanças, integram o Mandrágora atualmente Filipa Santos (flautas, saxofone e gaita de fole), Ricardo de Noronha (bateria e percussões), Miguel Moreira (guitarras) e David Estêvão (contrabaixo).

A banda tem dois discos lançados “Mandrágora” (2005) e “Escarpa” (2008). São trabalhos com sonoridades diferentes. O primeiro recebeu o Prémio Carlos Paredes, atribuído anualmente ao melhor disco português instrumental não erudito. Nele, ouve-se temas acústicos baseados na musicalidade celta, com o uso da gaita de fole e flautas na maioria das composições. O outro mostra o amadurecimento musical da banda, ao produzir uma sonoridade mais experimental e elétrica, com resquícios do jazz fusion e do rock progressivo - ambas sonoridades dos anos 70. Vale procurar os dois trabalhos e fazer a comparação.


                                  





Selecionei o belo vídeo da música “Vale de Sapos”, do primeiro disco, em que podemos conferir e apreciar a sonoridade rica de influências do Mandrágora. Um recado: há vários grupos com este nome em todo o mundo, inclusive no Brasil. Portanto, é preciso muita atenção ao procurar os discos na Internet, para não trocar (tocar) gato por lebre. E mais: Mandrágora é uma planta, cuja lenda remete à Europa medieval. Dizem que sua raiz grita ao ser arrancada da terra, entre outras peculiaridades.