terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Entre montanhas e planícies, os sons contemplativos de Kayhan Kalhor


Apesar de todos os problemas políticos, no campo das artes o Irã tem nos fornecido ótimos filmes, destacando grandes cineastas desde os anos 90. Nomes não faltam: Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf, Samira Makhmalbaf, Jafar Panahi, Bahman Ghobadi e, agora, Ashgar Farhadi, vencedor do Oscar. No setor da música, não é tão diferente. Existem grandes músicos e compositores que tratam de manter a alma da música clássica e tradicional persa, difundindo-a pelo mundo com elementos acústicos contemporâneos. Alguns deles são Hossein Alizadeh (autor da trilha de "Tartarugas podem Voar", entre outros filmes), Hamid Motebassem, Bijan Chemirani e Kayhan Kalhor. Este último talvez seja o mais conceituado, pois já gravou por duas vezes pela ECM, gravadora alemã sobre a qual já falei a respeito em outros textos.

A música de Kayhan Kaylhor é profundamente introspectiva em sintonia com as tradições milenares e espirituais da região. Radicado atualmente nos Estados Unidos, ele toca um instrumento de arco e, lógico, cordas, chamado kamancheh, cuja forma lembra um pequeno berimbau, se isto é possível.


Nascido em Teerã, ele estuda música desde os sete anos de idade. Aos 13, já acompanhava grupos eruditos e tradicionais de música persa, como a National Orchestra of Radio and Television of Iran e o Shayda Ensemble of the Chavosh Cultural Center. Ao longo da carreira, gravou 15 discos. Três conquistaram indicações ao Grammy: “Faryad” (2005 ), “Without You” (2002) e “The Rain” (2003).

Afeito a parcerias, Kayhan costuma bater bola com músicos locais e estrangeiros. No Ocidente, integrou o time do projeto “Silk Road Ensemble: New Impossibilities” (2007), do festejado francês, de origem chinesa, Yo- Yo-Ma. Também participou da trilha sonora do filme de Francis Ford Copolla, “Youth Without Youth”, de 2007, composta pelo argentino de origem judia Osvaldo Golijov.
                          


Em 2012, Kayhan Kalhor lançou mais um interessante disco intitulado “I Will Not Stand Alone”, feito em parceria com Ali Bahrami Fard (foto 4), craque que toca o santoor, instrumento persa, parente do dulcimer ocidental, que produz um dos mais belos timbres do Oriente Médio.


Outra parceria de sucesso foi realizada com os indianos Shujaat Husain Khan (cítara e vocais) e Swapan Chaudhuri (tabla), com os quais criou o grupo Ghazal (foto 5), que lançou três trabalhos, sendo dois fundamentais “Moon Rise Over the Silk Road” (2000) e “The Rain”, lançado pela ECM em 2003, um dos mais belos discos orientais que já ouvi. O grupo, lógico, fundiu elementos musicais persas e indianos, criando uma música hipnótica e contemplativa. Kayhan Kalhor também obteve destaque com o CD “The Wind” (ECM - 2006), composto com o turco Erdal Erzingan,


 E antes que alguém troque as bolas, o Irã não é um país árabe. É persa. Os árabes são de origem semita. Os persas, indo-europeus. Durante a expansão do Império Árabe no século VII, os persas foram subjugados. Adotaram a religião islâmica e o alfabeto arábico, mas mantiveram a língua persa, também chamada de farsi, cuja variante no Afeganistão é conhecida como dari. Para os ouvidos ocidentais, a música persa pode soar como a árabe. No entanto, tem características próprias. Os instrumentos originais também se diferem. E para conhecermos um pouco dessas singularidades, um vídeo de Kayhan Kalhor ao lado de outros feras iranianos como Hossein Alizadeh e Majid Khalaj.









segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Uma volta ao mundo por meio da música

Numa tarde junina de 2003, estava passeando pelo Centro Histórico de São Luís quando topei com o músico maranhense Itaércio Rocha, radicado há anos em Curitiba, integrante do grupo Mundaréu, lá do Paraná. Entre um papo e outro, ele me presenteou com os dois primeiros discos do Terra Sonora (o CD de 1997 e “Continentes” gravado em 2001), um grupo também das terras de Paulo Leminski, que recria com impressionante primazia canções e melodias instrumentais de várias partes do mundo. Vou ser eternamente grato por esta cortesia.


O Terra Sonora produz um som único no Brasil, sem precedentes no país. Surgido em 1994, é integrado por músicos de formação erudita (pelo menos, a maioria), responsáveis pela elaboração de arranjos originais para temas étnicos e tradicionais de todos os continentes do planeta. É um trabalho minucioso. Rústico, porém elaborado com requinte. Uma preciosidade. Nos seus cinco discos, há músicas de 67 regiões do mundo, incluindo países como Egito, Romênia, Noruega, China, Colômbia, Moldávia, Grécia, Irlanda, Zimbábue, Butão, Marrocos, Mongólia, Armênia, Camboja, Haiti, Turquia e Moçambique. A combinação de instrumentos também é singular: viola caipira, derbak, violino, flautas, entre outros. São diversas referências musicais num único grupo em perfeita harmonia.




A pesquisa musical é de responsabilidade de Plínio Silva, flautista especializado em Música Antiga (medieval, renascentista e barroca). Integra também o Terra Sonora gente como o famoso violeiro Rogério Gulin e a vocalista Liane Guariente, considerada uma das melhores vozes de Curitiba. Aliás, o trabalho vocal é primoroso, um componente especial tanto pela pesquisa fonética de diversas línguas, quanto pelas diferentes técnicas usadas para cada canção.


No repertório, também estão presentes elementos tradicionais brasileiros, como modas de viola, a exemplo das composições de Rogério Gulin e Roberto Corrêa, sambas de roda da Bahia e temas de tradição nordestina, além de composições do lendário José Eduardo Gramani, idealizador e fundador do Ânima e diretor musical do primeiro disco do Terra Sonora. E por falar nisso, os discos do grupo têm produção caprichada. Todos vêm com fotos e livreto explicativo, algo semelhante ao padrão dos trabalhos do Ânima. E mais: recomendo a audição de todos os CDs. Inclusive, do quase solo de Rogério Gulin, “Orvalho”, lançado em 2009, no qual é acompanhado pelo Terra Sonora.



É importante saber que existe muita vida musical inteligente no Brasil, além das obviedades presentes na mídia. A melhor e pior música convivem no país em condições desiguais. Mas vamos deixar de lamentações. E como aperitivo, o Trilha Transe posta um tema do violeiro Rogério Gulin acompanhado pelo Terra Sonora, é claro, no lançamento de “Orvalho”.