sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Sobre o efeito Mayra Andrade


Numa certa noite perdida de 2007, estávamos no antigo bar 31, de propriedade de um catalão, no Centro Histórico de São Luís, quando ouvimos no som ambiente uma voz feminina que fisgou a emoção de todos. Era o arrebatador CD “Navega”, primeiro da linda cantora cabo-verdiana Mayra Andrade.

A cópia do disco tinha sido deixada no estabelecimento, displicentemente, por um cidadão francês e aproveitamos para reproduzir vários outros genéricos e disseminar a paixão pela artista entre os amigos apreciadores de boa música. O certo é que passamos meses sob o efeito Mayra Andrade.


Filha de pais cabo-verdianos, a cantora nasceu em Cuba, mas morou no Senegal, Angola, Alemanha e França (é cidadã parisiense desde 2003). No ano passado, a artista lançou o seu terceiro trabalho, “Studio 105”, e já desfruta de certo reconhecimento entre os brasileiros, pois realizou apresentações, em 2009 e 2010, no circuito Salvador-Rio-São Paulo. Além disso, foi inevitavelmente apadrinhada em terras tupiniquins por Chico Buarque e Caetano Veloso.

O som de Mayra Andrade é acústico, brejeiro, para ser apreciado, de preferência, deitado numa rede, contemplando o litoral. A sensação suave é próxima dos finais de tarde mais deliciosos. Algumas canções parecem MPB, samba. No entanto, os ritmos são do arquipélago de Cabo Verde, a exemplo da morna, coladera, funana e batuque. Não há aquela marcação, que divide os compassos ao meio, presente na música brasileira derivada do samba.


A familiaridade pode ser explicada. Afinal, a artista é apaixonada pelos melhores sons do Brasil. E mais, os seus discos contaram com músicos brasileiros de primeira linha. O incrível bandolinista Hamilton de Holanda, por exemplo, participou de “Navega”. Já o segundo e irregular trabalho, “Stória, stória”, contou com os arranjos de Jaques Morelenbaum e a produção de Alê Siqueira, que trabalhou com Tom Zé, Elza Soares, Marisa Monte e Tribalistas.

Mas o conforto não se dá somente no campo musical, pois ela costuma cantar em crioulo cabo-verdiano, que inclui algumas palavras da língua portuguesa, também falada no país. Daí, quando a escutamos, sentimos uma sensação peculiar: é possível entender uma ou outra palavra, despertando o desejo de decifrar por completo as letras. Nem sempre obtemos sucesso, é certo. 


Uma curiosidade é que, em 2009, estava prevista para ser realizada, na capital maranhense, a segunda edição do Festival Internacional de Música de São Luís, como parte da programação nacional do Ano da França no Brasil. Isso, antes da tresloucada cassação do então governador Jackson Lago. Mayra Andrade seria uma das atrações por sugestão minha, porque levei uma cópia de “Navega” aos curadores (alô Mochel, lembra-se?). Uma comissão do antigo governo estadual chegou a viajar para a França para tratar de assuntos políticos e culturais. Inclusive, de detalhes do evento e da contratação da artista.

O show dela chegou a ser anunciado no jornal O Imparcial alguns meses antes. Segundo a reportagem, aconteceria na noite do dia 8 de setembro, data do aniversário de São Luís. Por motivos políticos, o evento foi abortado e ficamos a ver navios. No lugar do festival, foi promovido um show com a ótima Angélique Kidjo, do Benim, infelizmente antecedida por cantores bregas locais. Lamentável.  Um dia, quem sabe Mayra Andrade passa por aqui para nos redimir de todos os vexames.







7 comentários:

  1. preciso renovar o efeito mayra andrade conhecendo seus outros discos. só ouvi, e gostei muito, o primeiro. abraço!

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  2. Caro Zema,

    Não aprecio tanto o segundo trabalho quanto gosto do primeiro. "Navega" é excepcional, surpreendente. É o disco que provoca o tal efeito. Talvez pela produção ou pelos arranjos, Stória, stória" soa mais comportado e não possui a sonoridade inusitada nem belas melodias equivalentes as do primeiro. Com todo respeito ao trabalho, se retirarmos o canto de Mayra Andrade, soa como um disco sofisticado de MPB, mas sem pegada, ou seja, perdeu um pouco a identidade cabo-verdiana. Ainda não ouvi o mais recente, "Studio 105". Se não estou enganado, foi registrado "ao vivo". Novos arranjos para canções já gravadas anteriormente.

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  3. eduardo,
    o blogue tá muito bom. informações muito interessantes sobre música.
    valeu,
    ed wilson

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  4. Como sempre você garimpando tesouros da música, a descoberta da Mayra Andrade foi um presente. Ela é muito talentosa.
    Um grande abraço
    Luiza

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  5. oi eduardo,
    baixei o cd da mayra. ela tem algo de cesaria évora, mas creio que é melhor.
    ed wilson

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  6. Olá Ed Wilson,

    Você baixou o "Navega"? É o melhor disco dela.

    Abraços,

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  7. Curioso... o primeiro disco que ouvi dela foi o segundo, e o conheci logo que foi lançado. Me 'enfeitiçou' do mesmo jeito que o primeiro te pegou - e aos seus amigos -, e o mesmo não aconteceu quando ouvi "Navega", que me pareceu rústico demais, sem o esmero do segundo (já assistiu ao making of de "Storia, Storia"? Bem interessante). Posteriormente, ela se apresentou em um programa de TV (holandês ou belga) em que revisitava o mesmo repertório, com uma dupla de músicos distintos, em um arranjo totalmente diferente, e muito bom. certamente se acha na net. O fato é: Mayra tem 'voz própria' e ainda não parou de crescer. Estou aguardando ansiosamente sua próxima vinda! (a SP)

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